Para muitos dirigentes, a parte mais importante
é a teoria filosófica e religiosa da Doutrina Espírita, embora o próprio
Emmanuel, por intermédio de Chico, tenha dito outra coisa.
Houve uma fase em que os fenômenos de efeitos físicos e de
materialização de Espíritos eram comuns, principalmente no século 19, começo e
meados do século 20. Nas décadas de 20, 50 e 60, desse último século, tinha um
centro espírita em cada esquina para quem quisesse ver se os “mortos voltavam
para contar”.
Concepção artística da
materialização do Espírito
Emmanuel,
|
Certos adversários dizem que os fenômenos não passam de uma
espécie de psicose coletiva produzida pelo “inconsciente”. Sem nos determos em
outros conceitos do esdrúxulo vocabulário de alguns “parapsicólogos”, existem
diversos modos de ver os fenômenos espirituais. Portanto, por conta da
neofobia, da postura cristalizada do establishment científico,
da falta de interesse, do exclusivismo milagreiro e dogmático com seus rituais
e supostos exorcismos, tem-se menoscabado a realidade espiritual.
Por falar em médiuns dignos, nos anos 50 do referido último
século, ocorreram impressionantes fatos no campo dos efeitos físicos por
intermédio de Chico Xavier. Segundo Arnaldo Rocha, que foi casado com Meimei,
várias Entidades se materializaram, entre as quais o próprio Guia Espiritual do
famoso médium mineiro. O artista plástico Joaquim Alves, o Jô, naquele
tempo da Federação Espírita do Estado de São Paulo, participou dessas reuniões
e reproduziu as presenças materializadas em lindos desenhos. (Só sinto, ao menos,
não terem gravado a voz dos Espíritos como fizeram os ingleses George Woods e
Betty Greene.²)
“Surgiu esplendorosa figura masculina, uma magnífica
materialização”, conforme relatou Rocha. Em uma das reuniões da qual
participou, a certa altura dos acontecimentos, de súbito, entre sussurros
comovidos, saiu alguém da cabine, conta ele, enquanto Chico se mantinha em
transe. “Sim, era mesmo Emmanuel, bem diante de todos, cujo porte de atleta,
estatura cerca de 1,90 de altura, irradiava intensa luminosidade”, segundo ele.
E exclamando, Rocha disse: “Ali estava o abnegado servidor de Cristo, o
ex-senador romano!”
Contudo, disse aos presentes:
Amigos, a materialização é fenômeno que
pode deslumbrar alguns companheiros e até beneficiá-los com a cura física,
todavia, o livro é a chave que fertiliza lavouras imensas, alcançando milhões
de almas. Rogo aos amigos a suspensão, a partir deste momento, dessas
reuniões.”³
Materializações nunca mais
“A partir daquela data, Chico,
a disciplina em pessoa”, concluiu Rocha, “nunca mais materializou nenhum
Espírito”. Naturalmente, para Emmanuel, convinha a Chico o emprego de uma outra
sua faculdade, famosa pelas sublimes obras produzidas: a psicografia. Chegara,
portanto, o tempo de ele se pôr a serviço daquilo que tanto contribui com a
Doutrina Espírita: os livros psicografados —as belíssimas, instrutivas e
consoladoras obras subsequentes.
Assim, entenderam suspensão das reuniões de
efeitos físicos, o que só dizia respeito a Chico, por proibição do
desenvolvimento de todo médium de efeitos físicos e de possíveis
materializações de Espíritos em todos os centros espíritas brasileiros.
Consoante maioria dos dirigentes, apenas se deve acolher a teoria filosófica e
religiosa da Doutrina, embora o próprio Emmanuel, por intermédio de Chico,
tenha dito, anos seguintes que a materialização é um “tesouro”: Um núcleo
respeitável do Espiritismo fenomênico, suscetível de acordar as mais nobres
convicções dentro da esfera moral de nossa consoladora Doutrina, atraindo
corações para a Verdade e para o Bem, nas legítimas finalidades das nossas
tarefas com Jesus. 4
Creio que as recusas aos efeitos físicos, muito provavelmente
se baseiem no que escreveu a respeitável escritora e psicógrafa Yvonne A.
Pereira. Ela chegou a escrever, “sob orientação do Espírito Bezerra de
Menezes”, que seriam dispensáveis as materializações “quando já estamos
bastante preparados para compreender e assimilar a Doutrina Espírita”.5
Yvonne Pereira assegurou que o tempo áureo das materializações
pertence ao passado e que os grandes Espíritos não se interessam mais por esse
gênero de manifestação. Disse ela: “Ficaram entregues a entidades de
ordem medíocre e inferior (grifei), não existindo qualquer respaldo em
nenhum dos cinco livros básicos da Doutrina”.
No entanto refutou o escritor e pesquisador espírita Rafael
Américo Ranieri, ex-delegado de polícia e ex-secretário da Segurança Pública do
Estado de São Paulo:
(...) Kardec não recusou absolutamente as
reuniões de efeitos físicos ou de materialização. Tanto que as classificou
em O Livro dos Médiuns como dignas de seus estudos. Não poderia ele,
de forma alguma, recusar os fenômenos mais probatórios da existência do mundo
espiritual e de Espíritos que vivem numa faixa vibratória diferente da nossa. E
não o fez. O que ele nos ensinou é que no “seu tempo” esses trabalhos eram
sempre realizados por Espíritos menos esclarecidos. “Menos esclarecidos”, e não
atrasados, inferiores, maus, perversos.6
Emmanuel jamais foi contra
Para fortalecer a ideia de que Emmanuel jamais repelira tais
trabalhos como se fossem “inúteis”, “uma perda de tempo”, atente nestas
palavras pela psicografia de Chico: “... Se a nossa experiência pode cooperar
convosco [com Ranieri] sugerimos sejam quaisquer serviços de materialização
movimentados na direção da saúde humana.” 7
As sessões de efeitos físicos e de materialização de Espíritos
não deveriam ser consagradas exclusivamente à cura de enfermos. Sei, no
entanto, que tudo depende muitíssimo de médiuns e graus de mediunidade além de
diretrizes respeitantes aos próprios Espíritos interessados. Por que não? Os
trabalhos poderiam também servir de base de estudo tanto teórico quanto
prático, visando descortinar novos pontos de ajuste e de atualíssimas
evidências, neste Terceiro Milênio, pelo menos por meio de efetivos registros
fotográficos, de gravações de vídeo, por exemplo. (Hoje, há câmaras que
registram, gravam tudo em total escuridão afora diversos instrumentos de alta
tecnologia, usados até pela medicina.)
Acredito que chegaram os tempos de solver problemas relativos
à interação espírito-matéria. Não é à toa que, ao longo dos séculos, centenas
de filósofos e cientistas, dentro dos conceitos da metafísica e da ciência,
elaboraram hipóteses, assim como alguns pesquisadores hodiernos: físicos,
bioquímicos, médicos e psicólogos, sobre um assunto cujas investigações e
estudos exaustivos tiveram com efeito o seu prelúdio em setenta anos (de 1870 a
1940), apesar do procedimento autoritário da Igreja e do desapreço materialista.
Não quis dizer que todas as casas espíritas devam
necessariamente fazer reuniões de efeitos físicos e de materialização, cada um
é cada um, sabedor de seus interesses. Lembremos, porém, que Jesus de Nazaré se
materializou durante quarenta dias para estabelecer a prova da imortalidade da
Alma. Ele assim o fez, mas penso que não adiantou muito, não, para reafirmar os
mesmíssimos ensinamentos anteriores ao episódio do calvário. 8
Isso me fez recordar uma frase de Zabeu Kauffman. O Padre
Zabeu como era mais conhecido (o papa Leão XIII quando neste mundo), uma
Entidade cuja materialização e diálogo com pessoas presentes, num encontro de
efeitos físicos, tive ensejo de presenciar. Certa feita, em antigo evento dessa
natureza, um dos partícipes, diante da figura corporificada de Zabeu, fez esta
pergunta: “Por que os Espíritos se materializam?” Resposta: “Os Espíritos se
materializam para que os encarnados se desmaterializem se espiritualizando”...
Quanto à respeitável Yvonne Pereira, sim, concordo com ela:
“já estamos bastante preparados para compreender e assimilar a Doutrina
Espírita”. Mas será que todo o mundo já se “desmaterializou” o bastante para se
considerar devidamente “espiritualizado”? Peço vênia ao insigne Ranieri para
fazer das suas palavras as minhas: Que não aceitem as reuniões de
materialização porque não se interessem por elas, é um direito que ninguém lhes
contesta; mas dizer que se baseiam em Kardec.
__________________________________________________
1Em 1964, o Espiritismo sofreu sórdida
campanha cometida por cinco famosos repórteres da influente extinta
revista O Cruzeiro, os quais, com o apoio de um perito
criminal, denegriram a inteireza de 19 médicos que pesquisaram e atestaram a
mediunidade de efeitos físicos de Otília Diogo, em Uberaba, MG. Além de
caluniarem os médicos e a médium, difamaram até Chico Xavier que tomara parte
das materializações como espectador. Até nos dias de hoje, nos tempos da
Internet, insistem em covardemente reeditar a vergonhosa infâmia, na vã ilusão
de infamar nomes tão idôneos quanto dignos, e ainda respaldados por certos
“espíritas” omissos.
2.Bem fizeram George Woods e Betty Greene que registraram, em
1945, uma grande quantidade de vozes em gravador do tipo fita magnética de
rolo, tendo em vista a divulgação de mensagens de voz direta de diversos
Espíritos, dentre elas as do célebre Mahatma Gandhi, Frédéric Chopin, Bernard
Shaw e outros pelo médium inglês físico de voz direta, Leslie Flint (1911/1994).
3NETO, Geraldo Lemos. Mandato
de amor . 4. ed . Belo Horizonte: União Espírita Mineira, 1997. Páginas
76 a 80.
4Mensagem do Espírito Emmanuel, pela psicografia de Chico
Xavier, cedida a Ranieri por Esmeralda Bittencourt em 1º de janeiro de
1954.
5PEREIRA, Yvonne A. Recordações
da mediunidade . 6. ed . Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1989.
Capítulo 5.º, p. 89.
6RANIERI, R. A. Materializações
luminosas — depoimento de um delegado de polícia. Do 1. º ao
5. º milheiro . São Paulo, s/d: Federação Espírita do Estado de São Paulo.
P. 199.
7Idem, ibidem, p. 249.
8O Evangelho segundo Lucas, cap. 24, vers . 27, 31,
36 e 37, 44 a 45.
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