Davilson Silva-
A narrativa de Mateus e de Marcos relata um Jesus colérico
contra um bando de comerciantes gananciosos que teriam desrespeitado um lugar
sacro.
Quem sabe se o título deste texto não seria o mesmo de alguma
manchete de jornal, se a imprensa tivesse sido inventada antes de certa
passagem evangélica? Já ouvi de alguns: “Paciência tem limite, e até Deus não
teve paciência, expulsando os camelôs do Templo”. Imaginemos Jesus, considerado
Deus segundo o “mistério” da “Santíssima Trindade”, furioso...
Jesus expulsou comerciantes do Templo de
Jerusalém, derrubando mesas de cambistas e cadeiras de vendedores de pombos,
contam autores do Evangelho. Consoante eles, Jesus teria dito que a
Sua casa, ou seja, o principal templo de Jerusalém, era “casa de oração”, e
não “covil de salteadores”. Expulsar significa a bem dizer: “fazer sair
por castigo ou violência do lugar onde estava”, de acordo com o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
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Jesus expulsando vendilhões do templo, El Grecco (1541/1614) |
Quem já viu na TV ou presenciou fiscais da prefeitura de São
Paulo, do Rio de Janeiro e de outras cidades brasileiras expulsar camelôs das
ruas, com o apoio da tropa de choque da polícia, sabe do que falamos. Ora, quem
expulsa, e ainda por cima derruba tudo pela frente, não o faz com
ternura. Expulsar, verbo transitivo direto e circunstancial, não dá
ideia de um ato sereno. A narrativa de Mateus e de Marcos relata um Jesus
colérico contra um bando de comerciantes gananciosos que teriam desrespeitado
um lugar sacro. Lucas, conciso, não descreve Jesus derrubando sequer uma mesa,
uma cadeira.
Um indivíduo encolerizado é o que reage feito bicho furioso,
voltando-se contra tudo, descontando na natureza bruta, em objetos que
despedaça, e contra todos aqueles que o aborreceram. De acordo com certo
Espírito Protetor, trata-se de um “acesso de demência passageira” de quem assim
reage.² Pessoas
ponderadas, calmas jamais terão ataques momentâneos de cólera por perder a
paciência em face de uma contrariedade. O colérico propende sempre para
esse desregramento mental, que se movimenta no limo oculto do ódio, um dos mais
abjetos defeitos da natureza humana.
Jesus assinou a própria sentença
Mas por que Jesus teria ficado tão indignado conforme
narrativa dos dois evangelistas? Bem. Dizem historiadores, pesquisadores dos
evangelhos, que o Templo de Jerusalém era o centro econômico, político e
religioso da Palestina. Alegam que Jesus teria provocado a ira do clero e,
portanto, assinado a própria sentença no instante em que se pronunciou
contrário à prática do ágio de 8%. Esse ágio era cobrado por cambistas, sob
anuência dos seus mais ferrenhos inimigos, durante o comércio de datas
especiais nas dependências do mencionado espaço de cerimônias religiosas, quando ali realizavam diversas oferendas
e sacrifícios conhecidas como okorbanot. Sendo a procura maior que a
oferta, tetradracmas tírias eram convertidas em
moedas correntes, moedas pagãs cunhadas em Tiro, Fenícia (hoje Líbano). E não
era só Jesus que discordava: alguns judeus, frequentadores daquele mesmo espaço
religioso, também reprovavam a compra e venda da moeda, no entender deles “impura e inflacionária”.
Alguns judeus achavam um escândalo o fato de os sacerdotes
fazerem vistas grossas à referida transação. Conforme historiadores, os líderes
religiosos do Templo viam e fingiam que não viam fazerem do dinheiro
oficializado a moeda que numa face mostrava a imagem de Melkart, deus protetor
dos tirenses, e na outra, a águia de Júpiter, principal deus dos romanos.
No tempo de Jesus, nas comemorações de certas datas,
sobretudo, a Páscoa, chegavam a imolar mais de 250 mil cordeiros. Os fiéis eram
constrangidos a submeter objetos de oferenda ao “controle de qualidade do
Templo”, de acordo com as regras de pureza descritas no Livro de Levítico. As
oferendas, tais como bois, cordeiros, pombos, etc., eram sempre rejeitadas; em
verdade, o “controle” era mais um procedimento acintoso para forçar os fiéis do
Templo a comprá-los de familiares de sacerdotes ou de comerciantes ligados a
eles. Por exemplo: um pombo, o mais barato artigo de oferenda, tinha valor cem
vezes mais que o preço normal, isto é, um denário equivalente ao salário pago
por um dia de trabalho.
Minha casa será chamada casa de oração
Quanto a minha casa será chamada casa de oração,
por que um recinto tão luxuoso, de tanta politicagem, de tanta ganância como o
do Templo de Jerusalém, situado no Monte Moriá, também chamado Monte do Templo,
ao Norte do Monte Sião, seria necessariamente “casa de oração” de Jesus? Além
do mais, Seus adversários, os vigários, os escribas e os maiorais do povo dali
não desejavam matá-Lo?³
A casa de oração de Jesus representava o Monte das Oliveiras ou a residência de um amigo, ou a de um simpatizante, a margem de um lago ou um cenário da natureza. Com todo o respeito a templos de quaisquer religiões, de quaisquer seitas e a sacerdotes, Jesus nunca exigiu, sequer insinuou louvores a Ele em templo algum de quem quer que seja. Os homens é que inventaram essas coisas, fazendo as pessoas acreditarem que templos majestosos, altares, nichos floridos e sacerdotes, homens especiais e suas vestes talares enfeitadas de ouro e pedras preciosas, de crucifixo pendurado no pescoço, seriam imprescindíveis.
A casa de oração de Jesus representava o Monte das Oliveiras ou a residência de um amigo, ou a de um simpatizante, a margem de um lago ou um cenário da natureza. Com todo o respeito a templos de quaisquer religiões, de quaisquer seitas e a sacerdotes, Jesus nunca exigiu, sequer insinuou louvores a Ele em templo algum de quem quer que seja. Os homens é que inventaram essas coisas, fazendo as pessoas acreditarem que templos majestosos, altares, nichos floridos e sacerdotes, homens especiais e suas vestes talares enfeitadas de ouro e pedras preciosas, de crucifixo pendurado no pescoço, seriam imprescindíveis.
Concluindo
Teria mesmo Jesus hostilizado os comerciantes do Templo de Jerusalém? O bom senso diz que não. Atribuíram-No um comportamento no mínimo incoerente com a Sua inteligência, fraternidade, afabilidade e doçura. O Meigo Nazareno não faria nada daquilo contra os mercadores do Templo, tampouco tomaria de um chicote como mostra a tela de El Greco, pintada no século 17; Jesus também jamais faria oposição de interesses mundanos ao clero da Sua época.
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1Mateus 21:12, 13; Marcos 11:15-17; Lucas
19:45, 46.
2KARDEC, Allan. O evangelho segundo
o espiritismo. Tradução Herculano Pires. 62. ed. São Paulo: Lake — Livraria
Allan Kardec Editora, 2001. Capítulo 9.°, item 9, página 130.
3Marcos 11:18.
4KARDEC, Allan. O evangelho segundo
o espiritismo. Trad. H. Pires. 62. ed. São Paulo: Lake, 2001. Cap. 9.°, it.
1 ao 5, p. 127.
5KARDEC, Allan. O livro dos
espíritos. Trad. H. Pires. 62. Ed. São Paulo: Lake, 2001. Q. 625, p. 223.
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