Que brilhe a vossa luz

Davilson Silva-

Muitos têm confundido espiritualização com renúncia da vontade, na indiferença absoluta, e em ininterrupta reverência mística.

O homem demorou muito tempo para se distinguir de seus companheiros terrenos, os animais, e ainda se demora na iluminação do raciocínio, descuidoso do sentimento. “Assim brilhe a vossa luz diante dos homens a fim de que vejam as vossas boas obras e glorifiquem ao vosso Pai que está no Céu” (Mateus 5:16), disse Mestre Jesus. A claridade do saber é qual farol que orienta o navegador, o que aclara o discernimento em meio à névoa das vicissitudes da vida.


No exercício da livre decisão, e de acordo com a consciência, a criatura, gradativamente, foi tendo ideia do cumprimento de suas forças e faculdades as quais deveriam transcender, colocar-se em ponto mais alto como síntese de todas as aspirações. Daí, a marcha humana estar deveras sujeita à coragem, ao valor intrínseco de cada indivíduo.

Sacerdotes de Ísis e Osíris, há mais de trinta mil anos, afirmavam que o destino da Alma possui duas faces: a do cativeiro na matéria e a da ascensão à luz. Em sua doutrina oculta, a dos livros sagrados de Hermes Trismegisto, entreviram essa dicotomia. Um desses livros, Pimander, o mais autêntico, era dedicado ao culto dos mistérios da deusa egípcia da fecundidade e do deus governante do mundo dos mortos; tratava-se de uma doutrina milenar que já dava noção da consciência do trabalho a fazer, tarefa que só caberia ao princípio inteligente realizá-la.  

Miguel de Molinos (1628-1696),
místico e sacerdote espanhol,
conhecido pelo estabelecimento
e sistematização  da corrente
religiosa denominada Quietismo.
Como os quietistas 

Muitos têm confundido espiritualização com renúncia da vontade, na indiferença absoluta, e em ininterrupta reverência mística. Esse proceder fora alimentado pelos quietistas, adeptos de uma doutrina propagada na Espanha e na França. Em que pesem o processo evolutivo, o desenrolar dos acontecimentos, as mudanças gerais, há quem prossiga pensando como os adeptos dessa doutrina mística e anulatória de todo anseio, admitindo-se apenas descomedida contemplação religiosa como vínculo a Deus. O Criador, segundo Jesus, deveria ser honrado em espírito e verdade.

Graças à fulgente luz consoladora do Espiritismo, bem sabemos o porquê de Deus ter que ser assim honrado. Aliás, nunca faltou o brilho do Alto em prol da marcha humana, em favor da sua perfeita satisfação física e moral. Consoante elucidações dos Benfeitores Espirituais, sob a égide do Espírito de Verdade e a coordenação de Allan Kardec, o homem não pode retrogradar;¹ pode até permanecer estacionário; mas tem que progredir sempre. Em suma, não adianta resistir à lei do progresso, lei de Deus que nos obriga a nos retificarmos intimamente. Nosso Pai deseja que a Sua obra, ainda que encarnada, cresça para Ele em amor e ciência.

Deus não gera coisas sem utilidade. Por exemplo, Ele jamais conceberia um ser feito Adão: um verdadeiro parasita da Natureza; um inútil! Por que Adão teria de permanecer ignorante sem produzir coisa alguma? Por que Deus teria lhe dado uma companheira? Para viver eternamente ao seu lado, estéril e tão inútil quanto ele?

Deus só encorajaria

E já que falamos do “primeiro casal”, admitindo-o, em verdade Deus só o encorajaria a instruir-se, a informar-se da Sua Obra para que, sobretudo, tanto Adão quanto Eva O buscassem pelo autoconhecimento. Persistir em dar como verdadeiro esse simbolismo é continuar desvalorizando o valor da suprema sabedoria divina.

Portanto, a luz de que o Mestre falou nunca será conquistada fora de nós; ela está dentro de cada um, e só nos resta suscitá-la. Em nós foi criada a fagulha do amor e sabedoria para que, através dos tempos, pudéssemos torná-la uma chama...

Veja o que a esse respeito corrobora o Espírito Emmanuel:

Iluminemos, pois, o raciocínio sem descurar o sentimento. Burilemos o sentimento sem desprezar o raciocínio. O Espiritismo, restaurando o Cristianismo, é universidade da Alma. Nesse sentido, vale recordar que Jesus, o Mestre por excelência, nos ensinou, acima de tudo, a viver construindo para o bem e para a verdade, como a dizer-nos que a chama da cabeça não derrama a luz da felicidade sem o óleo do coração.²

Pois é. Necessário se torna indagar, pesquisar propendendo sempre à verdade no campo científico, filosófico, estas duas forças imprescindíveis, não se deixando levar pela presunção da arrogância que intoxica os valores intelectuais sem atender as aspirações do próprio brilho das virtudes. “A chama da cabeça não derrama a luz da felicidade sem o óleo do coração”.

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1.KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Tradução Herculano Pires. 62. ed. São Paulo: Lake — Livraria Allan Kardec Editora, 2001. Capítulo 8.o, questão 778 e 779, página 261.

2.XAVIER, Francisco C. Livro da esperança. Pelo Espírito Emmanuel. 10. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira (FEB), 1988. Tema 17, p. 67.

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