Mas o que foi que eu fiz?

Davilson Silva-

Calúnia é crime contra a honra, e da calúnia, decorrência da inveja, do ódio, resulta todo tipo de descrédito e agravo à pessoa humana.

Antes, rostos simpáticos, serenos. Depois, não mais semblantes aprazíveis, risos contrafeitos; a desconfiança, o constrangimento, o silêncio... “Alguém me diga, por favor, o que foi que eu fiz?” — pergunta o aflito a si mesmo e aos mais próximos, pela dúvida que lhe consome as energias. Angustiosa incerteza o faz bater inutilmente de porta em porta, na esperança de sair desse impasse, um pesadelo em claro.


Indefeso, o indivíduo deseja desesperadamente saber quem, quando e onde tudo começou, e diversos são os efeitos das pedradas silenciosas do falso juízo: a tristeza do encontro ou do reencontro malsucedido; a vã espera; os esforços malogrados; a ingratidão daqueles com quem mais se contava, que, em momento difícil, renunciaram sem nenhuma explicação ou com evasivas e monossílabos; a indiferença; a ideia ou a palavra distorcida, e outras possíveis adversidades.  

Calúnia: ato de covardia, doloroso golpe traiçoeiro, transe difícil de vencer. Trata-se de uma imputação injusta, de incriminação desairosa. Da calúnia se serve a inveja, base do ciúme e, por consequência, do despeito, desacreditando, desmerecendo, expondo lesivamente ao repúdio público instituições, pessoas encarnadas ou desencarnadas. A calúnia nasce em geral da incapacidade de se obter algo, de algum fracasso, da vitória, do bom êxito de um desafeto. 

Em nosso parecer, a calúnia pode ser provocada pela inveja complexada, pela inveja rancorosa ou pelo medo da responsabilidade da ação ou da omissão prejudicial reprovável, que constitui crime. O caluniador pode valer-se de um telefonema, de um texto, de um desenho ou de uma foto, da correspondência eletrônica (e-mail), de salas de bate-papo, de blogs, de sites, enfim, de toda mídia ao alcance. Ao lançar mão dos mencionados recursos, ele compartirá informações, opiniões com indivíduos parciais, ávidos pela cata de infâmias e torpezas. Aqueles que sabem da calúnia, e nada fazem segundo o direito e melhor consciência, preferindo omitir-se ou admiti-la, colaboram da mesma forma com a corrente maligna de caluniadores e seus objetivos criminosos.

Medíocres versus gênio 

Caluniadores sempre existiram, provavelmente, desde que o homem principiou a viver em bando. Muitos chegaram a sucumbir, maltratados pelas farpas da acusação desonrosa. Diga-se a propósito, o filósofo e escritor Jonathan Swift (1667/1745) afirmou que, ao aparecer um verdadeiro gênio no mundo, é reconhecido de imediato por este sinal: os medíocres unem-se contra ele — e dizemos nós, sobretudo, se esse sábio expõe princípios novos, ou a origem de algo, ou provas da sequência de estados de algum sistema que se transforme, de conhecimentos que impliquem leis e regras desconhecidas, enigmáticas. 

Um erudito oferece a proposição que transcende os limites da experiência possível. Surgem logo opositores gratuitos, despeitados que, além de divergirem, deturpam os fatos com sofismas, externando-se sem comedimento. Dignos de fé pela maioria e aplaudidos por ela, opinam acerca de alguma matéria, apresentando-se como peritos em uma atividade específica ou em certas disciplinas. Cheios de si, não raro, seus pontos de vista tendem para o achismo, refertos de equívocos e insinuações satíricas, preconceituosas, presos a ideias que tenaz e exclusivamente veem sob um único anglo da ótica particular. 

Até os dias de hoje, muitos não se curvam diante dos fatos espirituais em relação ao mundo físico. Um ilustre pedagogo e livre-pensador, da cidade de Lyon, França, no seu tempo, século 19, experimentou grandes dissabores por conta da intransigência despeitada. Falamos de Allan Kardec, pseudônimo do professor Denizard Hippolyte Léon  Rivail (1804/1869). Diversas foram as rejeições aos princípios por ele esposados. Não tendo mais como refutá-los, os adversários fizeram Kardec suportar-lhes o ódio através de libelos infames. Além de suspeitas e calúnias sobre si dos inimigos do Espiritismo, ele as sofreu também dos confrades da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.  

Aliás, no tempo do Codificador do Espiritismo, todo tipo de ofensa à honra era resolvido de modo extremado e funesto: pelo duelo. Duelos constam do século 13 ao século 19, postos em uso na França e em outros cantos da Europa, no Oriente Próximo e nas Américas. Em pleno século 20, por incrível que pareça, no Uruguai, mantiveram essa prática legalizada em legislação própria até a década de 1980. 

Na Parte Especial do Código Penal Brasileiro, capítulo V, título I, calúnia é crime contra a honra. Mas, em nossa jurisprudência, distingue-se calúnia (artigo 138) de difamação (art. 139) e de injúria (art. 140). O ilustre acadêmico de Direito, Ricardo Canguçu Barroso de Queiroz,1 explicou que, enquanto a calúnia consiste em atribuir falsamente a alguém a culpa pela prática de um fato específico, definido como crime, a difamação consiste em atribuir-lhe fato determinado, ofensivo ao seu crédito; já a injúria, por sua vez, funda-se no ato de imputar cunho negativo, ofensivo à sua dignidade ou ao decoro.  

Seja como for, da calúnia, decorrência da inveja, do ódio, resulta todo tipo de descrédito e agravo à pessoa humana; por sinal, “a inveja é obra dos que não sabem admirar”, já dissera um pensador. E não nos esqueçamos destes dois monstros devoradores de todas as inteligências, fonte de todas as misérias terrenas, móbeis das más paixões: o orgulho e o egoísmo. Portanto, a inveja é do orgulho e egoísmo seu instrumento de ataque e, a calúnia, a sua munição. 

Outras vítimas 

Eis um rol de espíritas alvejados pelos projéteis da calúnia:

Olympio Teles de Menezes (1825/1893), vítima de maldosos comentários, o pioneiro do Espiritismo no Brasil e da imprensa espírita brasileira, fundador do jornal O Echo d'Além-Túmulo; Dr. Bezerra de Menezes (1831/1900), acusado, segundo alguns espíritas, de valer-se da Federação Espírita Brasileira para mais facilmente alcançar um cargo político; Anália Franco (1856/1919), exemplar educadora caluniada com ditos infames, tachada de “mulher perigosa” e de “causadora de escândalos”, conforme acusação de católicos romanos escravocratas e monarquistas; Cairbar Schutel (1868/1938), o fundador de O Clarim, vitimado também por dissabores, sobretudo, promovidos por um vigário católico despótico e intolerante que tencionava impedir o funcionamento do Centro Espírita Amantes da Pobreza; Eurípedes Barsanulfo (1880/1918), incriminado de exercer ilegalmente a medicina, ainda que cumpridas as condições para o desempenho da profissão afora outras descabidas e injuriosas denúncias; Francisco Cândido Xavier (1910/2002), ofendido muitas vezes por calúnias e ofensas à sua honra, especialmente proferidas por vigários católicos e evangélicos, por jornalistas, e até (não se admire de novo!) por certos espíritas; Aparecida Conceição Ferreira (1914/2009), acusada de valer-se para proveito próprio das doações e das esmolas que ela mesma mendigava em favor dos portadores do pênfigo foliáceo, perambulando por ruas e ruas, inclusive pelo Viaduto do Chá, centro da capital paulista, tendo algumas vezes sido presa por vadiagem, uma heroína que, com as doações e esmolas que conseguia, construiu um hospital para amorosamente assistir aqueles enfermos, o Hospital do Fogo Selvagem; Divaldo Pereira Franco (1927), no meu entender a personalidade mais sábia e culta de nossos dias, além de extraordinário médium e tribuno, contra ele foram desfechadas calúnias, desconfianças, pareceres desfavoráveis, destacando-se a denúncia de plagiador, mais um herói da boa vontade e do Bem, que encerra esta lista de verdadeiros amigos e amigas do Mestre Jesus.   

Invejosos, caluniadores traiçoeiros e ingratos, dentro ou fora do âmbito espírita, sempre existiram e sempre existirão. Lembremos de que ao próprio Mestre impuseram suplícios infames sob o bombardeio da calúnia; mesmo assim, fez o que até hoje Ele nos recomenda através das mensagens dos bons Espíritos: amar os inimigos, pagar-lhes o mal com o bem, orando por eles, principalmente, silenciando, servindo sem esmorecer, o único meio de defesa contra as tramas da falsidade. 

“É necessário que haja escândalos (...) Mas ai do mundo por que venham os escândalos”, preveniu o amorável Mestre, ou seja, seguimentos de todas as imperfeições humanas, de todo mau ato de indivíduo para indivíduo, repercutam ou não.“Com a medida com que se mede, seremos também medidos”, asseverou o Excelso Instrutor. Pensemos nisto hoje para não chorarmos amanhã. E atenção!!! Esse amanhã pode ser já, já...

Antes, rostos simpáticos, serenos. Depois, não mais semblantes aprazíveis, risos contrafeitos; a desconfiança, o constrangimento, o silêncio... “Alguém me diga, por favor, o que foi que eu fiz?” — pergunta o aflito a si mesmo e aos mais próximos, pela dúvida que lhe consome as energias. Angustiosa incerteza o faz bater inutilmente de porta em porta, na esperança de sair desse impasse, um pesadelo em claro.

Indefeso, o indivíduo deseja desesperadamente saber quem, quando e onde tudo começou, e diversos são os efeitos das pedradas silenciosas do falso juízo: a tristeza do encontro ou do reencontro malsucedido; a vã espera; os esforços malogrados; a ingratidão daqueles com quem mais se contava, que, em momento difícil, renunciaram sem nenhuma explicação ou com evasivas e monossílabos; a indiferença; a ideia ou a palavra distorcida, e outras possíveis adversidades.  

Calúnia: ato de covardia, doloroso golpe traiçoeiro, transe difícil de vencer. Trata-se de uma imputação injusta, de incriminação desairosa. Da calúnia se serve a inveja, base do ciúme e, por consequência, do despeito, desacreditando, desmerecendo, expondo lesivamente ao repúdio público instituições, pessoas encarnadas ou desencarnadas. A calúnia nasce em geral da incapacidade de se obter algo, de algum fracasso, da vitória, do bom êxito de um desafeto. 

Em nosso parecer, a calúnia pode ser provocada pela inveja complexada, pela inveja rancorosa ou pelo medo da responsabilidade da ação ou da omissão prejudicial reprovável, que constitui crime. O caluniador pode valer-se de um telefonema, de um texto, de um desenho ou de uma foto, da correspondência eletrônica (e-mail), de salas de bate-papo, de blogs, de sites, enfim, de toda mídia ao alcance. Ao lançar mão dos mencionados recursos, ele compartirá informações, opiniões com indivíduos parciais, ávidos pela cata de infâmias e torpezas. Aqueles que sabem da calúnia, e nada fazem segundo o direito e melhor consciência, preferindo omitir-se ou admiti-la, colaboram da mesma forma com a corrente maligna de caluniadores e seus objetivos criminosos.

Invejosos, caluniadores traiçoeiros e ingratos, dentro ou fora do âmbito espírita, sempre existiram e sempre existirão. Lembremos de que ao próprio Mestre impuseram suplícios infames sob o bombardeio da calúnia; mesmo assim, fez o que até hoje Ele nos recomenda através das mensagens dos bons Espíritos: amar os inimigos, pagar-lhes o mal com o bem, orando por eles, principalmente, silenciando, servindo sem esmorecer, o único meio de defesa contra as tramas da falsidade. 

“É necessário que haja escândalos (...) Mas ai do mundo por que venham os escândalos”, preveniu o amorável Mestre, ou seja, seguimentos de todas as imperfeições humanas, de todo mau ato de indivíduo para indivíduo, repercutam ou não.2 “Com a medida com que se mede, seremos também medidos”, asseverou o Excelso Instrutor. Pensemos nisto hoje para não chorarmos amanhã. E atenção!!! Esse amanhã pode ser já, já...
__________________________________________________
1Calúnia,--difamação,--injúrias----diferenças.--Disponível--em: <http://www.advogado.adv.br/artigos/2000/barroso/caldifaminjuria.htm>.--Acesso em: 21 de maio de 2010. 

2KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Tradução Herculano Pires. 62. ed. São Paulo: Lake — Livraria Allan Kardec Editora, 2001. Capítulo 8.º, item 11, página 121.

Anterior  /  Seguinte 

No comments :

Post a Comment